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Escrita e vivências de Kawany e Nankupé são formas de resistência para os indígenas Fulkaxó

Os povos originários lutam diariamente, seja contra os ataques do homem branco, seja contra a higienização de seus costumes. Os Fulkaxó, no entanto, tem na literatura e na manutenção da cultura aliados poderosos

A cura é um processo. foto: Raíssa Sousa

Por Lucas Campos e Raíssa Sousa

Denízia Kawany Fulkaxó pertence a três povos, o Kariri, o Xocó e o Fulni-Ô. Pela descendência dessas etnias, com o avô e avó é que acontece a união de povos que hoje se encontram em Pacatuba, Sergipe; há mais de 10 anos vivem nessa luta sendo denominados Fulkaxó. Kawany faz parte dessa comunidade, assim como também dos Kariri-Xocó em Alagoas e os Xocó em Porto da Folha. Atualmente, mais um sobrenome foi acrescentado a essa linhagem, os Tupinambás, que é de Entre Rios, na Bahia, por uma fusão de casamento. Quando os indígenas se casam, há uma relação das comunidades de inserir o sobrenome ou o nome da comunidade também. Assim, seu nome é, na verdade, Denízia Kawany Fulkaxó Tupinambá. Escritora, professora e advogada, ela representa a ponte entre seu povo e o mundo branco.

 

De raízes Tupinambá, seu esposo, Nankupé Tupinambá Fulkaxó, carrega consigo uma marca de nascença importante sobre sua ancestralidade e espiritualidade ao longo de sua vida. Ele diz ser Fulkaxó por acolhimento da comunidade originária de Kawany. Nankupé Tupinambá teve em sua vida profissões na área de exatas. Sua avó, que tinha certa influência na aldeia, dizia que ele iria ser “doutor”. Ele seguiu então como engenheiro e economista, mas descobriu que seu caminho era nas humanidades, e nos cursos de filosofia e jornalismo se encontrou. Nankupé acredita que, por meio da escrita e da educação, ele pode levar às escolas, universidades, palestras e conversas conhecimento sobre o que são os povos indígenas de uma forma geral, respeitando cada povo. E assim o vem fazendo.

 

Dentre as formações de Kawany, a primeira delas foi a pedagogia com um afeto e cuidado para ensinar os mais velhos de sua comunidade a ler e escrever. Afinal, o povo indígena é o povo da oralidade e o ensino nas comunidades difere do seu exterior. Sua pós-graduação foi em psicologia Infantil, a fim de entender como é o comportamento das crianças dentro e fora das aldeias. Sua segunda graduação foi no curso de Direito, com intuito de aprender a fundo como defender seu povo baseado na lei. Alcançando mais uma especialização em sua carreira, Kawany buscou o mestrado na área de história e educação, motivada não apenas pelas suas raízes, mas também pela luta dos povos quilombolas e suas origens africanas.

Kawany e Nankupé usam da literatura para reverberar as vozes do povo Fulkaxó. Foto: Raíssa Sousa

Para além do povo Fulkaxó, em terras sergipanas, segundo documentos oficiais, havia outros povos. Os Tupinambás, os Caetés, os Amorés, os Xocós, eram alguns dos residentes da região. Estes últimos, os Xocós, foram expulsos do estado pela Família Brito e consequentemente acolhidos pela comunidade Kariri em Alagoas. Apesar da partida, sua raiz ancestral permaneceu ligando o povo Xocó ao estado de Sergipe, e uma retomada era sonhada por muito tempo para o município de Porto da Folha, localizado no Sertão. De forma pacífica com os fazendeiros daquela região, houve o retorno do povo Xocó no ano de 2007 e anos mais tarde, em Pacatuba, a inserção do povo Fulkaxó.

 

Esse conjunto de episódios de luta, expulsões, retomadas e resistência marca a vida de muitas comunidades originárias espalhadas pelo Brasil desde os primórdios da Navegação – invasão dos europeus em terra “Pindorama”. A existência dessas populações passa pelo espírito de sobrevivência em meio a um país que nem sempre foi gentil com seus filhos. O bem viver, as práticas de boa vida nasceram com eles, deles, mas, ainda que isso seja um fator de suma importância, as comunidades indígenas são uma das minorias que mais sofrem no Brasil. A ausência de políticas públicas suficientes para garantir segurança de vida aos povos originários é uma das queixas enfrentadas em âmbito nacional que vem sendo gradualmente explorada pela nova mídia, uma mídia que foge do padrão hegemônico e escancara seus Quem, Os Quês e Porquês. 

 

Neste ano de 2023, o processo do povo vem sendo apresentado, explorado e ouvido. Pela primeira vez em muito tempo, o país parou para ler, assistir e conhecer. Sendo convidado a resistir junto aos povos originários em uma batalha contra o extermínio de parte da população indígena. O Brasil parou para perguntar sobre seus filhos, aqueles que geraram nesta terra fértil a cura não só do físico, mas do espiritual. Por meio das suas vozes e escritas, Kawany Fulkaxó e Nankupé Tupinambá, desenvolvem a escrevivência daquilo que somente quem compõe uma comunidade que vive intrinsecamente a tudo aquilo que o Brasil carrega, e ainda assim é invisibilizada nas instâncias, pode compartilhar.

A Universidade estreita laços culturais. Foto: Raíssa Sousa

Kawany e Nankupé conversaram conosco na Universidade Tiradentes, na capital, e expuseram seus ideais, dores e conhecimento. Confira a entrevista.

+Contexto: Kawany e Nankupé, vocês são escritores. Muito se fala atualmente sobre a importância da representatividade, em diversos âmbitos. Na literatura não é diferente. Para vocês qual a importância dessa entrega nas obras que compõem?

Kawany Fulkaxó:  Então, um belo dia, como todos os dias da minha vida, acordei e disse “eu quero fazer algo”. Mas eu não sabia como fazer esse algo porque escrever não é fácil, as pessoas acham, imaginam que se falar é difícil, imagina escrever. Porque escrever a gente precisa seguir as regras gramaticais. 

A gente precisa atingir o público infanto-juvenil e um público adulto e, hoje em dia, com essas ferramentas tecnológicas que a gente tem, a gente não dá para maquiar mais nada, né? Aí eu disse: tá agora eu vou escrever para criança, mas como ter essa pegada de escrever para criança? Eu tive que pesquisar livros infantis, eu tive que pesquisar os livros dos autores indígenas renomados como Eliana Potiguara, Daniel Munduruku, Ailton Krenak, Kaká Werá, a Márcia Kambeba também, no início. 

Além disso, eu fui ler literatura de Ziraldo, de Ana Maria Machado, ou seja, literatura que, para mim, eu considerava saudáveis. Mas, na verdade, quem me trouxe para esse contexto da literatura foi meu antigo emprego na biblioteca do SESC, onde me colocaram em uma função ótima, que era catalogar e restaurar os livros. Lá aprendi a fazer isso, não sei nem se hoje eu sei, mas eu aprendi (Kawany relembra suas aventuras em arquivos de biblioteca com leveza e dá risada). Então quando você vai fazer uma lista de material você quer ler tudo, mas não tem condição, né? Você vai com o tempo. 

Aí conciliando uma coisa com a outra comecei a escrever o primeiro volume que é Contos indígenas Kariri-Xocó e o segundo também veio nessa pegada, mas esse segundo volume ele vem com o CD, que é cantado porque a gente percebe que só ler não trazia esse resultado positivo para as crianças, para os jovens. Elas precisam também aprender cantando. Eu percebo muito isso também nessas questões que eu vejo do mundo ocidental. Ele leva a música, mas leva a música de uma forma errônea sobre a gente e aí eu escrevi e fiz músicas com o grupo também. O terceiro ele já é mais político onde a gente trabalha questões políticas dentro e fora da comunidade, um exemplo é o marco temporal que vai ser julgado agora também, mas eu trago essa literatura de uma forma bem sutil mesmo para as pessoas entenderem.

Autora lança novo livro infanto-juvenil com representatividade indígena. Foto: Raíssa Sousa

Nankupé Tupinambá: Para mim é um pouco diferente, porque eu me encantei muito com esse trabalho. Quando eu conheci o trabalho tive a honra de participar nos Volumes 3 e 4, que têm uma co-autoria minha. E isso foi ótimo para entender que não é simplesmente escrever um livro. Ou seja, é captar o sentimento de uma comunidade, é captar o sentimento da espiritualidade para colocar ali, então para mim foi muito recompensador isso já que a minha escrita é uma escrita mais dirigida a linha história, política, né?

O meu primeiro livro foi exatamente entre cartas, crônicas e textos jornalísticos, “O Que Fizemos Com Nosso Povo?", já é uma linha muito mais histórica, mostrando como a comunicação influenciou na formação de hoje um imaginário com relação a nós povos indígenas, que ele é um imaginário falso e cruel.  Desse indígena, ou melhor, que nem se chamava de indígena. Tinha esse imaginário desse índio preguiçoso, promíscuo, iletrado, selvagem, ou seja, tudo isso foi formado ao longo do tempo. 

+Contexto: O senhor, como jornalista e indígena, pode falar mais de como percebe a forma que a mídia pauta os povos originários?

Desde a famosa carta de Pero Vaz de Caminha, passando pelos cronistas que, na minha visão, fizeram o nosso trabalho enquanto jornalistas, de divulgar e escrever, de falar sobre o que falaram de nós, de certa forma muito desentoada. Aí chega a análise das cartas avulsas entre Jesuítas, como se comunicavam e como era a visão com relação a nós, enquanto povos originários. Então vem a imprensa. Gutemberg inventa a prensa, vem a imprensa no mundo inteiro, os primeiros jornais, vêm jornais brasileiros e aí, como a imprensa tratou o caso durante todo o período colonial. Durante todo o período de república e hoje na contemporaneidade, como se trata isso? Como é que se fala? Como é que faz? 

Quando vai se falar de nós povos originários é “índio invadiu, índio matou, índio bloqueou estrada”, ou seja, nós temos lutado muito para que, inclusive, essa nova geração que está se formando de jornalistas tenha uma essa sensibilidade e possa traduzir isso… E melhorou muito! Trazer isso de uma forma que não machuque tanto que seja que inclusiva, seja muito mais prudente.

Uma voz da literatura e do jornalismo ativista. Foto: Raíssa Sousa

+Contexto: A gente tem visto no ano passado o crescimento na visibilidade do extermínio aos povos indígenas, destacando, por exemplo, o caso Yanomami. Como vocês interpretam essa situação?

Kawany Fulkaxó: Eu tenho propriedade de falar dessa questão do Povo Yanomami porque convivi com o Davi e ele é Yanomami, e era dolorido quando ele relatava sobre os problemas da comunidade e que as pessoas não estavam ouvindo.

Eu sempre conto essa história de quando ele era pequeno, que é para as pessoas que vão ler e ouvir, que falem a respeito.

Ele diz que segurava na barra do adereço da mãe e ele via chuva de bala e ele tinha 7 anos nessa época, mas ele não entendia que chuva era aquela, já que a chuva que vinha do céu era uma chuva muito boa e ele via que aquelas balas com aqueles helicópteros, aquele transporte atirando contra o povo para ser exterminado para que os fazendeiros conseguissem explorar a terra de uma forma ilegal, como até hoje. 

E, ele contando isso, por exemplo, numa mesa lá da Câmara dos Deputados, ninguém aguentou, todo mundo, na verdade, acabou engasgando de ouvir, porque eu contando é uma coisa e ele fala com o sentimento, ele fala chorando, ele fala na língua e ele falava que ele criança não entendia que chuva era aquela que Deus estava mandando. Olha a inocência da criança, “Deus mandando bala para nos matar?”, mas aí quando ele começa a entender esse processo que não era Deus e, sim, o homem, aí ele percebia que ele precisava lutar. Lutar pelo seu povo. 

E, toda vez que a gente fala a respeito disso é emocionante porque conviver com ele a gente aprende muito, mas também a gente sente a dor dele e por muitos anos ele, o cacique Raoni e outras lideranças. Nós, enquanto liderança militante denunciávamos esses acontecimentos lá com o povo Yanomami, mas como a gente traz essa situação de quem é que paga para o que, faz o quê que são as indústrias mesmo que mandam para não poder capitalista e nós temos o poder de mudar isso através da mídia 

Davi Kopenawa Yanomami é um líder e xamã da etnia Yanomami, um dos maiores grupos indígenas do Brasil. Nascido em 1956, em uma aldeia na região amazônica, ele é conhecido por sua luta em defesa dos direitos dos povos indígenas e da preservação da floresta. Kopenawa é co-fundador da Hutukara Associação Yanomami, e foi o primeiro indígena a ser convidado a falar na abertura da Assembleia Geral da ONU. Em 2019, ele foi premiado com o Right Livelihood Award com a Hutukara Associação Yanomami, considerado o Nobel Alternativo, por sua defesa incansável do meio ambiente e dos direitos indígenas.

Liderança indígena, escritor e militante. A literatura também está intrínseca a Davi. Foto/Reprodução: Greenpeace. 
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"Ora querem que a gente seja integrada à sociedade para viver nesse consumo. Ora, se a gente é integrado, não é mais indígena e volta para viver lá. Do quê?"  Denízia Kawany Fulkaxó

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E aí, a gente tem que lutar através da mídia, através da caneta, através do documento, através da militância, através da literatura, através das Universidades. É dessa forma nossa luta porque há muitos anos tiraram de nós. Chega. A gente precisa agora estudá-los para lutar contra isso.

Nankupé TupinambáO que a mídia mostrou, o que o país escandalizou com relação aos Yanomamis infelizmente não é uma prerrogativa somente dos Yanomamis. Muitas comunidades hoje estão invadidas, muitas comunidades hoje estão sofrendo violências, os cintas-largas, onde está instalada uma das maiores minas de diamantes do mundo, estão sofrendo talvez ainda pior que os Yanomamis. Muitos e muitos povos estão sofrendo esta invasão, quer seja pela ganância dos garimpeiros, dos madeireiros, também daqueles especuladores, com relação ao valor imobiliário das terras indígenas, ao valor turístico das terras indígena. Então esse sofrimento não é uma exclusividade infelizmente do povo Yanomami.

E, digo mais, sem procurar culpados porque tivemos por mais de cinco séculos vários governantes, vários sistemas políticos com muito pouco favorecimento ou com muito pouco olhar para os povos indígenas. Os últimos quatro anos foram muito duros, muito difíceis, eu diria similar a época do Marquês de Pombal que foi tão duro para os povos indígenas durante o período colonial, em um processo e um projeto definido de genocídio. Ou seja, os últimos quatro anos deixou definido um projeto de genocídio para nos exterminar. 

E olha que foi extremamente difícil. Nós perdemos muitas, muitas, muitas vidas nessa luta. Felizmente, hoje a gente até se espanta, digamos assim, com o protagonismo que nós estamos tendo, mas que precisamos ter muito cuidado com relação a isso e de como levar isso, com as nossas pautas e segurar para que a gente não tenha retrocessos de outros governos fascistas, extremistas, que a extrema-direita retome o seu projeto genocida de nos eliminar. Então, toda essa invisibilidade eu acho que é principalmente por conta disso.

Uma conversa sobre o que é saúde. Foto: Raíssa Sousa

+Contexto: Para finalizar, como vocês entendem então a saúde dos povos originários? E como vocês veem a necessidade de saúde para um povo que possui um vínculo tão forte com sua espiritualidade e seu bem-estar social? 

Nankupé Tupinambá: A respeito disso, eu diria que assim nós somos os povos do bem viver que acordam cantando, vão dormir cantando, cantam nas suas refeições, agradecem e tudo isso foi muito desvirtuado ao longo do tempo. 

Quando a gente fala de saúde nós precisamos lembrar de princípios ativos de medicações importantíssimas como, por exemplo, a cloroquina que foi tão falada aí durante o processo de pandemia que ela não é efetivamente eficaz para o coronavírus, mas ela é muito eficaz contra a malária. 

Essa cloroquina está patenteada, me perdoe a falha de não lembrar, não me lembro qual é o país, mas fora do Brasil num outro país. Alguém que veio aqui pegou a quina, sintetizou e se colocou como protagonista. Não é a quina. Eu posso dizer para você milhares de ervas de cura, que os seus princípios ativos foram patenteados estrangeiros, que nos foram roubados. Ou seja, essa pirataria da biotecnologia é um negócio que tá claro.

Interessante que cupuaçu está como produto americano. O Açaí está patenteado fora do Brasil. Então todo esse achamento, digamos isso, traz situações que nós não estamos acostumados a viver. Por exemplo, o índice de suicídio nas comunidades indígenas é trinta por cento maior do que a sociedade cá fora. A situação do alcoolismo, a situação das dependências, a situação da ansiedade, da depressão, o que é isso? É obviamente o resultado de uma paixão muito grande e de uma vida extremamente oprimida onde não se tem para onde ir. A maioria dos suicídios são jovens e a grande maioria por enforcamento. É para tirar da garganta aquilo que está preso ou para tentar dizer. 

Então esse esquema de saúde que é imposto porque nós entendemos que o avanço disso será um momento em que a gente tenha um esporte de saúde dentro das comunidades e de acordo com o pajé também em que as pessoas passem por ambos e que possam participar, voltar a participar e aí eu já falo de dos nossos próprios parentes que possam voltar a participar das pajelanças, possam voltar a participar e desta medicação natural.

Djamou Túnes curava as pessoas com a posição dos corpos com o maracá como objeto de cura. (Nankupé abre a bolsa e pega seu maracá, fazendo o movimento e o som do instrumento). Então a gente precisa retomar esse processo. Hoje para nós enquanto povos originários é um processo de retomada, é a retomada dos povos, é a retomada espiritual, é a nossa própria retomada enquanto a gente vive e a situação da saúde passa como todas as situações e principalmente as mais básicas como a educação também, certo? É preciso um olhar diferente, um enxergar, não simplesmente ver. 

+Contexto: Qual a principal diferença entre o que vocês, enquanto indígenas, entendem como saúde e o que é considerado saúde pelo branco?

Kawany Fulkaxó: A gente tem a secretaria de saúde que é SESAI, antes era FUNASA e agora é a SESAI. Essa Secretaria ela ainda deixa a desejar em muitas questões e ela contrata uma equipe com assistente social, psicólogo, enfermeiro, médico, técnico, ou seja, vários profissionais que são indígenas e outros, não. 

E, esses não-indígenas, eles não estão preparados para trabalhar nas comunidades indígenas porque eles acham que devemos ter acesso aos remédios farmacêuticos. Esses remédios, a gente considera que são feitos para algo que não tem solução. É porque têm produtos químicos que vão interferir em outras situações. Mas nós temos a nossa própria medicina que é a medicina que a gente toma para que isso não venha acontecer futuramente, de ter uma doença mais grave.

E aí, trazendo isso como um ponto, os profissionais da área não-indígenas precisam estar mais capacitados, precisam estar mais envolvidos com essas questões, porque estão acostumando nosso povo a chegar no polo e dizer “eu quero o remédio tal” e ser liberado e não pode ser assim, porque senão vai acabar afetando a saúde da pessoa. Eu estou falando disso porque já houve na comunidade de irem lá pedir o remédio para uma simples dor de cabeça enquanto a gente poderia tomar um chá e aliviar aquela dor.

Também temos problemas de saúde na comunidade, de situações de ansiedade, de diabete, colesterol alto, enfim, uma série de coisas que não tinha na comunidade e hoje a gente tem um número muito grande por conta do acesso aos alimentos industriais primeiro, e segundo, por não saber lidar com os remédios farmacêuticos ou os remédios naturais que têm na comunidade. Tem médicos lá que são muito resistentes, eles acreditam que o remédio da gente não funciona. É claro que para aquele problema não vai mesmo funcionar, porque a gente primeiro se previne para não acontecer. 

Eu fui bem cuidada, por exemplo, nos meus partos eu não precisava de remédios farmacêuticos. Eu fui bem cuidada mesmo. Traziam aroeira, barbatimão, uma boa alimentação. Eu tomei muitos caldos picantes e fui bem cuidada a respeito disso. Então precisa respeitar esse lado cultural nosso, cuidada com a saúde e esse lado que tem do polo, né?

Enfim, os mais velhos não gostam de ir para o médico, os mais velhos não gostam de tomar remédio farmacêutico, os mais velhos não gostam de tomar injeção. Eles se cuidam! Meu pai é um deles, ele só vive na, como a gente chama, na jurubeba. Ele vive pra lá, vem pra cá e mascando jurubeba. É muito amargoso? É. Mas ela traz muitos benefícios. Por exemplo, ele não pega uma gripe tão facilmente. E ele faz as garrafadas dele que são muito boas mesmo. Eu já tomei e Nankupé também. E qualquer pessoa que tomar vai aliviar qualquer situação que a gente tenha.

Às vezes, ela descobre até um outro processo, né? Que você diz assim “ai eu não sabia que eu estava com isso”, mas a própria medicina faz isso, né? Mas também tem a ver com a questão espiritual porque quando meu pai dá um chá ele entrega aquela espiritualidade, aquela divindade para que você caso você tenha alguma coisa, que você ponha lá fora.

A cura vem da espiritualidade, os instrumentos, apenas nos conectam com ela. Foto: Raíssa Sousa.

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