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A CONSTANTE LUTA PELOS DIREITOS DA SAÚDE DA MULHER

A trajetória das leis e campanhas pela saúde da mulher com a contínua batalha para assegurar dignidade aos direitos femininos.

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Por  Eduarda Julianna e Nívea Estela

O Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo dos seus 33 anos de existência tem enfatizado a saúde pública como uma necessidade política e plural, que atenda às demandas complexas da população brasileira, considerando as diversas camadas sociais. Nesse contexto, o eixo de assistência à mulher se apresenta como campo em constante mudança desde a redemocratização.

 

Ao observar a trajetória de políticas públicas destinadas às mulheres que foram implementadas nesse período democrático, seja nas esferas municipal, estadual e federal, constata-se que a politização da saúde da mulher é reflexo de lutas contra uma sociedade estruturalmente sexista, lbgtqiapn+fóbica, racista e classista. No entanto, ainda há muitas barreiras a serem ultrapassadas.

 

A implementação das leis e campanhas pelo direito à saúde da mulher, são de responsabilidade dos governos, mas a luta pelas conquistas tem sido impulsionada, em certa medida, pelo debate público sobre a condição da mulher na sociedade, e pelos  movimentos populares e feministas que reivindicavam a garantia de políticas públicas e o tratamento humanitário.

 

Ao verificar o percurso das Leis e Projetos de Lei (PL) para saúde da mulher, a estrutura patriarcal ainda paira e predomina em alguns assuntos, como o aborto, que ainda é ilegal no Brasil. Parlamentares de partidos de extrema direita, por exemplo, revogam e propõem regulamentações que mais prejudicam do que ajudam. É o caso de alguns projetos de lei como o PL 1515/2021, de autoria de Chris Tonietto (PSL), que propõe vedar a realização de qualquer procedimento de natureza abortiva na modalidade telemedicina, o PL 1521/2021, de autoria de Paulo Bengtson (PTB), o qual busca instituir a Semana Nacional de Celebração da Vida e o PL 2125/2021, de autoria de Junio Amaral (PSL), o qual aumenta as penas do crime de aborto, previsto nos arts. 124, 125 e 126 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). E mais outras dezenas de projetos que argumentam a favor da criminalização do aborto.

 

O problema desses projetos, é que além de não levarem em conta a escolha da pessoa que engravida, não têm um olhar sobre a realidade brasileira e do mundo. Nesse caso, a discussão vira uma questão moral e não de saúde pública, visto que segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o aborto é uma das 5 principais causas da mortalidade materna no brasil e a proibição e criminalização não diminiu esses números. 

 

Apesar de ainda existir uma luta pela revogação dessas leis que proibem o aborto, a trejetória da luta na saúde feminina alcançou mudança em outras áreas segue e se mantém resistênte dentro das estruturas patriarcais.

 

Confira a linha do tempo com a trajetória de políticas públicas destinadas à saúde das mulheres, implementadas ao longo das últimas décadas:

Arte: Eduarda Julianna

O DIREITO E A NECESSIDADE DA TRANSFORMAÇÃO DA SAÚDE

 

O jurista brasileiro Miguel Reale formulou a teoria tridimensional do direito, que consiste em três pilares: fato, valor e norma. Nessa teoria, ele fala sobre como as leis e o direito são formados e moldados por meio de valores da sociedade. Sendo assim, a sociedade avança, e por isso as leis são modificadas ou criadas, a partir das necessidades que os indivíduos apresentam.

 

E foi justamente por essas transformações sociais que nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS): por meio do movimento sanitário, organizado pelos trabalhadores, que viram a necessidade de pensar esse sistema que promove saúde de qualidade e gratuita para os cidadãos brasileiros. 

 

A advogada Brisa Xavier, explica que o ordenamento jurídico brasileiro  tem origem nas fundações filipinas, que eram leis portuguesas administradas por homens, em um sistema patriarcal europeu. Esse ordenamento jurídico radical permitia até mesmo que os homens matassem mulheres. 

 

Para ela, todas essas transformações no direito são necessárias e fruto das mudanças sociais. No que tange à saúde e, mais especificamente, no direito à saúde da mulher, isso não é diferente. Porém, as mudanças ocorridas na sociedade até hoje ainda não chegaram na equidade dos gêneros. O machismo e o fundamento das leis paternalistas ainda pairam entre os direitos femininos.

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Foto: Nívea Estela. Legenda: Brisa Xavier e Cindy Barbosa, advogadas e fundadoras do JUSFemina.

Foi com esse pensamento, que as advogadas Brisa Xavier e Cindy Barbosa, decidiram criar o canal JUSFeminina que oferta uma advocacia com visão feminista, voltada para a proteção dos direitos da mulher. “O JUSFeminina surgiu diante de um desconforto com a advocacia convencional voltada para as mulheres, que geralmente quando chegam nos escritórios são desacreditadas. E a partir desse desconforto nosso de querer realmente abranger esse tipo de perspectiva [feminista] no direito, começamos a nos movimentar, estudar, procurar e trocar jurisprudência com advogadas de outros estados no intuito de aprofundar essa questão do direito das mulheres”, explica Brisa.

Uma grande questão da laqueadura no Brasil nos anos 70 e 80 foi que, para além de motivos e escolhas pessoais, mulheres se viam obrigadas a fazer o procedimento por razões de trabalho. Por meio de um estudo feito em 1988, pela Dra. Elza Berquó, na época demógrafa e diretora do Núcleo de População da UNICAMP, foi então apresentado ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dados sobre a utilização da esterilização de mulheres no Brasil.

 

Motivo pela qual a deputada Benedita da Silva (PT), propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nos anos 90, que investigou as “causas e consequências da esterilização em massa de mulheres”. A CPI concluiu que 44% das brasileiras em idade reprodutiva, dos 16 aos 49 anos, realizaram a laqueadura. A maioria dessas mulheres não tinha informações sobre o processo reprodutivo e também era majoritariamente negra. Fora isso, os movimentos populares junto aos sindicatos denunciaram a exigência de atestado de esterilização para admissão feminina no mercado de trabalho. 

 

Portanto, quando a pesquisa investigativa da CPI foi revelada, notou-se o caráter racista, machista e elitista da situação da laqueadura nesse período. Para além desses fatos, houve a constatação de que o número de arrependimentos da realização da cirurgia de esterilização foi alto.

 

Cindy Barbosa explica que essa questão foi tratada de duas formas distintas no Brasil. Para a classe econômica privilegiada, isso era visto como um serviço de planejamento familiar e para a população mais pobre a prática foi voltada para o controle de natalidade e de acesso às mulheres ao mercado de trabalho. Só então, em 1999, foi vedada a exigência do atestado ou exame de gravidez na admissão ou permanência no emprego.

 

“Aqui a gente tem que separar realmente por classes, enquanto famílias de determinadas classes tinham acesso à educação e ao mercado de trabalho, que não estavam na linha da pobreza, essas pessoas usavam a laqueadura como processo de planejamento familiar. Só que para a população pobre e marginalizada, essa prática da esterilização foi usada no controle de natalidade e também para ter acesso ao mercado de trabalho. Foram feitos os estudos para a CPI e muitas delas se arrependeram, porque só em 1999 é que a CLT vetou e proibiu a exigência de atestado de gravidez ou esterilidade para contratar mulheres”, argumenta Cindy.

 

A Lei da Laqueadura n° 9.263, é originalmente de 1996, a qual foi incluída junto ao Planejamento Familiar. Nessa lei, era garantida a liberdade de opção dos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos que não colocassem em risco a vida e a saúde das pessoas. Mas essa liberdade posta na lei era restrita, já que um dos pré-requisitos para realização da laqueadura era a permissão assinada pelo cônjuge, além de não poder ser feita durante o parto e ter regras mais rígidas que limitavam o poder de escolha da mulher.

 

Mesmo com as dificuldades para a realização do procedimento de Laqueadura, entre 2019 a 2022, foram realizados 324.272 procedimentos de laqueadura no SUS. Desses, 218.926 em mulheres entre 25 a 35 anos. Segundo dados lançados pelo Ministério da Saúde diretamente para portais de comunicação, a média de idade das mulheres que realizaram o procedimento é de 30 a 34 anos. Em relação às mulheres sem filhos ou com status não informado, praticamente o número dobrou nos últimos quatro anos, em 2019, foram 653 cirurgias, e em 2022, foi de 1.241. Já entre as mulheres com dois filhos foram mais de 43 mil laqueaduras no ano passado.


Só agora, em 2023, foi aprovada a alteração na Lei da Laqueadura n 14.443/2022, que prevê a realização do procedimento sem a necessidade da assinatura do cônjuge e revoga também a rigidez da lei antiga. Dessa forma, a luta feminista alcança, a passos lentos, as mudanças e o direito a escolha das decisões pelo prórprio corpo.

Arte: Nívea Estela.

Para Cindy Barbosa, é preciso ter coragem para chegar às mudanças na legislação e na forma de conduta do direito para que as mulheres tenham segurança e sejam amparadas devidamente pelo Estado e setor legislativo. “Requer coragem para combater e enfrentar um sistema que está aí e vem se perpetuando… ter coragem de apontar o dedo e dizer que não é dessa forma; foi dessa forma por muito tempo, mas a gente não permite mais que seja”, defende a advogada.

SAÚDE NA PRÁTICA 

 

A saúde da mulher é integral e complexa. O estado, por meio do SUS, deve criar programas que atendam as demandas da população feminina e buscar a qualificação desses serviços. Essas políticas de saúde são obrigação dos governos, já que o direito à saúde é garantido constitucionalmente. Para que haja o atendimento médico adequado e de qualidade nessa modalidade, as gestões de governos necessitam de um olhar mais específico e voltado para a causa.

 

No estado de São Paulo, por exemplo, existe a Área Técnica da Saúde da Mulher, que tem como objetivo reduzir riscos de doenças graves e garantir integridade das ações e serviços de saúde. Foram implementadas diretrizes na parte de saúde sexual, câncer de mama e colo de útero, mortalidade materna, assistência obstétrica e aborto previsto em lei.

 

Esse programa inclui a atenção humanizada ao abortamento, promovido pelo Ministério da Saúde em 2005, no primeiro governo Lula. Nos casos em que a legislação permite, como quando não há outro meio de salvar a vida da mulher, quando a gravidez é resultante de estupro (ou outra forma de violência sexual), com o consentimento da mulher ou, se incapaz, de seu representante legal e também autoriza a interrupção de gravidez nos casos de malformação fetal. 

 

Em Aracaju, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) dispõe de um setor de coordenadoria para a saúde da mulher, cuja atuação integra assistência à gestante (pré natal e puerpério), Planejamento Reprodutivo, Prevenção de Câncer de mama e de colo de Útero, Combate à violência contra Mulher, além da participação nos espaços de controle social, como o Conselho Municipal de Direitos da Mulher. As campanhas e ações se estendem ao decorrer do que a população feminina necessita. 

 

A coordenadora da Área da Mulher, na SMS, Lea Matos, explica que os protocolos e fluxogramas para cada área já estavam definidos quando chegou na gestão, mas que na medida das necessidades avaliadas, mudanças foram adotadas. Os fluxogramas servem para análise das falhas no processo de trabalho e assim poder ajustá-las.  “Diante de avaliações de indicadores, observamos que algumas ações deveriam ser adotadas com a finalidade de oferecer uma melhor assistência às nossas usuárias: Atualização dos Fluxogramas / Linhas de Cuidado; Atualização dos profissionais das Unidades de Saúde sobre as Linhas de cuidado”, relatou a coordenadora. 

 

A Rede de Atenção primária em Aracaju teve conquistas na ampliação na oferta de exames citopatológicos de colo de útero e de mamografia, implantação do Centro De Atenção Integral À Saúde Da Mulher (Referência em atendimento à Pré Natal de Alto Risco, atendimento em Ginecologia Patologia Cervical, Atendimento em Mastologia, etc) na Rede de Atenção Especializada.

 

Além disso, foram aprimoradas visitas técnicas nas Unidades de Saúde para avaliação de indicadores junto às equipes e busca de estratégias para alcance das metas, considerando o Previne Brasil (programa que  determinou alterações no financiamento de custeio da atenção primária à saúde no país, e foi instituído pelo Ministério da Saúde do Brasil, em 2019, durante o governo Jair Bolsonaro). 

 

Dados da Fundação do Câncer estimam que 66.280 mulheres foram diagnosticadas com câncer de mama em 2020. O instituto do Nacional de Câncer (Inca), previu 530 casos dessa doença na mama em Sergipe, no ano passado. Visto que essa é uma doença que atinge muitas mulheres, a Secretaria Municipal de Aracaju também conta com programas específicos para o cuidado da doença, são 45 Unidades de Saúde na capital que dispõe de equipes aptas para realizarem Exame Clínico das Mamas (ECM) e também solicitar exames e encaminhar a usuária, diante de qualquer suspeita de câncer, para o tratamento no Centro de Acolhimento à Saúde da Mulher (CAASM). Além disso, a mulher terá acesso a consulta com Mastologista e realização de exames e procedimentos pela Rede de Atenção Especializada. 

 

Lea Matos ainda informou o procedimento caso os exames constatarem positivo para o câncer de mama. “Diante de caso positivo a mesma será encaminhada com Relatório e exames realizados para tratamento nos Ambulatórios de Oncologia do Estado (HU, Hospital Cirurgia ou HUSE). Logo, qualquer usuária com suspeita ou alteração na mama pode dirigir-se à Unidade de Saúde mais próxima de sua residência a fim de realizar o Exame clínico das mamas e passar por avaliação pela equipe multidisciplinar”.

 

Além de desafios que a saúde feminina já enfrenta, a pandemia ainda deixou consequências devido a suspensão no atendimento ambulatorial e, assim, a oferta de consulta e exames de rastreamento (mamografia, ultrassonografia, exame citopatológico de colo de útero) foi interrompida nesse período. Então, no retorno das ofertas pós-pandemia, a adesão de usuárias diminui pelo medo da contaminação pelo COVID-19. 

 

Com isso, é importante que as ações feitas pelo poder público continuem e a sociedade possa ter mais acesso à informação dessas ações e as mulheres saibam que é direito delas atenção básica e atendimento especializado de qualidade. A sociedade estar alerta e reivindicar a manutenção dessas políticas é fundamental para que não haja regressão na luta. 

 

SAÚDE E ALIMENTAÇÃO

 

Uma doença que atinge muitas mulheres é a endometriose. Pouco falada e pouco conhecida, essa enfermidade é marcada pelo caráter inflamatório e causa muita dor, o que faz com que ela seja conhecida como a “Doença dos 6 D´s”: dor inflamatória pélvica (DIP), dor na relação sexual (dispareunia), dor ao evacuar (disquesia), dor ao urinar (disúria), dor no período do fluxo menstrual (dismenorréia) e a dor emocional.

 

A endometriose consiste em um cuidado múltiplo e de diversas áreas da saúde, por conta da complexidade da doença e dos sintomas que ela causa nas mulheres e, assim, afeta gravemente a qualidade de vida. Uma das áreas da saúde que engloba o tratamento e mexe com a rotina das pacientes é na parte da alimentação com o acompanhamento de um nutricionista.

 

A nutrição consiste em auxiliar na alimentação anti inflamatória das pacientes. A nutricionista Bianca Campos, que é especialista em saúde da mulher, fala sobre esse tratamento integrativo na endometriose. “Nem sempre há necessidade do bloqueio hormonal e a equipe multidisciplinar trabalha na raiz do problema. Essa alimentação anti inflamatória e antioxidante é baseada na "comida de verdade”, na maior concentração de nutrientes, vitaminas, minerais e fibras. Caso a paciente não consiga resultado com essa dieta, aí sim entra a suplementação com ômega 3, vitamina D, coenzima Q10, entre outros.”

 

Ou seja, a endometriose mexe bastante com a rotina da paciente, que acaba por mudar seu dia a dia e sua alimentação para não sofrer com as dores. Mesmo parecendo ser uma alimentação restrita e difícil de ser seguida, Bianca Campos relata que ela adequa a alimentação nova com os gostos da paciente e também faz isso de forma gradativa. “A mudança de hábito é gradativa e após ver o resultado as pacientes conseguem seguir melhor na dieta por começarem a viver mais aliviadas da dor.”

 

A alimentação é vital na vida e quando mudada radicalmente pode causar danos emocionais, além de ser difícil de ser seguida pelos custos dos alimentos. Por isso, a nutricionista enfatiza que o tratamento inicial não é fácil, mas é possível ser feito aos poucos, adaptando a paciente e a presença da família e amigos na assistência dessa fase delicada é imprescindível.

 

Para saber mais sobre a Endometriose, assista o nosso documentário “A dor Invisível”, disponível em:

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